Um banho de água fria - Aline Richetti
Entrar numa sala de aula regular após tantos anos de afastamento desse local que frequentamos tão constantemente por tanto tempo desperta diversas lembranças nostálgicas. O posicionamento das classes estrategicamente enfileiradas, o tímido entrar do sol pelas janelas, o estridente soar do sinal - tantas vezes celebrado e outras tantas desdenhado - e os burburinhos nos corredores são apenas algumas delas. Agora, entrar na sala de aula regular na posição de professor, aquela que nós, professores em formação, vemos sendo treinados para exercer - não vou mentir - é um choque de realidade. Um banho de água fria, conforme adiantei.
Se prepare e já tenha em mente que não, você provavelmente não vai ter tempo de finalizar todas as atividades que planejou cuidadosamente para aquele temido primeiro dia. Não, nem todos os alunos vão estar dispostos e engajados, por mais que você tenha planejado atividades que julgou especialmente interessantes para aquele contexto em específico: pode ser que até mesmo algum deles tire um cochilo durante a aula. Não, nem sempre a tecnologia estará ao seu lado: o laboratório de informática pode estar sem internet justamente no dia que você planejou uma atividade importante nele. Não, nem todas as suas instruções serão claras e entendidas na primeira vez que você as der. Às vezes, você se sentirá perdido(a) em meio a tantos desafios.
Mas não desanime, afinal:
Sim, algum aspecto daquela atividade que você despendeu tanto tempo planejando vai ser vislumbrado na fala de algum aluno no decorrer das próximas aulas. Sim, você verá o progresso no desenvolvimento dos alunos e entenderá, por menor que seja o período de prática, as especificidades de cada estudante. Sim, você aprenderá a lidar com possíveis imprevistos e, muitas vezes, poderá encontrar soluções inusitadas que podem contribuir para o processo de aprendizado ou simplesmente mudar a dinâmica de sala de aula para algo diferente do comum. Sim, você encontrará a sua própria maneira de se investir do papel de professor. Sim, com certeza, esse será um período de enormes aprendizados, justamente por ser um período de desafios.
Muito provavelmente, algum aspecto de toda essa experiência te sensibilizará mais ou menos. No meu caso, entender o tempo e o progresso dos alunos foi um dos elementos mais interessantes dessa vivência. Esse desenvolvimento de que falo não necessariamente será linguístico, mas poderá envolver alguma das tantas outras habilidades que precisamos desenvolver enquanto seres humanos. Por exemplo, testemunhar um aluno bastante tímido participando de atividades que demandam expressão oral e interação com os colegas - com a camada extra de dificuldade de fazer isso em uma língua adicional! - é um dos exemplos mais significativos para mim.
Proporcionar oportunidades de crescimento e experiência para os alunos ao propor atividades significativas é enriquecedor. Ver vitórias, como essa que citei, que a princípio podem parecer pequenas, na realidade é imensamente gratificante. Tudo isso torna o difícil processo de planejamento e execução - não somente de uma aula, mas de um projeto com pergunta norteadora e produto final a ser compartilhado para fora dos limites da sala de aula e utilizando material autêntico - mais encorajador.
Ao sair desse ambiente de sala que antes estava tão distante, você será capaz de vê-lo através de outro ângulo e sentirá que esse 1% de know-how (ou savoir-fare, ou traquejo, ou domínio, chame como quiser) que você pôde vivenciar nesse período certamente te terá mudado e tornado mais competente para desempenhar uma função tão importante quanto a docência. O banho de água fria terá valido a pena.
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