A aula perfeita - Felipe Guedes Vieira
Bate o sinal do colégio. Vou em direção à turma de 9º ano de Ensino Fundamental. No entanto, dessa vez, as coisas estão um pouco diferentes. Já não mais vou correndo abrir o caderno, organizar os lápis sob a mesa e aguardar pelo professor chegar na sala de aula e decidir o que estudaremos naquele dia. Sensação estranhíssima!! a única rotina conhecida até então havia sido bruscamente alterada após 17 anos, do jardim de infância à faculdade. Dessa vez, não sou mais o aluno. Eu sou o professor.
Imagina só, você, professor... Entrar em uma sala e se deparar com 20, 30 ou até mais crianças com toda a energia do mundo em um único espaço. Desesperador... detalhe, não é só entrar na sala e ficar observando o caos, sua missão ali é fazer com que aqueles alunos aprendam inglês... sim, você precisa ensinar uma nova língua para eles, mesmo eles achando que “nem sabem falar o português direito”. Sim, “desespero” nem dá conta de descrever a situação.
Me aproximo da sala de aula e entro. Me deparo com vários alunos, todos sentados em seus lugares com os cadernos abertos e ansiosos para aprender a nova língua. Conforme a aula vai passando, percebo que todos estavam totalmente focados nas minhas palavras, nada tira a atenção deles. Participam de todas as atividades, respondem às perguntas exatamente do modo que eu havia imaginado que seriam as suas respostas. Ao final da aula, um aluno se aproxima e diz: Nossa professor! Thank you for this amazing class! Agora já aprendi a contar histórias em inglês!
Bom, obviamente, esse relato só ficou na minha imaginação totalmente irrealista de como poderia ser uma aula minha, já que na realidade a coisa foi bem diferente... É nessa reflexão que entra um dos meus primeiros grandes aprendizados com a minha primeira experiência de docência em sala de aula: baixar as expectativas. Imagine, entre 20 e 30 alunos em uma sala, cada um com suas particularidades. Alguns amam a sua disciplina, outros odeiam do fundo do coração. Vários vão estar lá depois de ter tido um uma ótima noite de sono e um ótimo café da manhã, enquanto outros vão ter passado a madrugada toda jogando Free Fire no celular, chegando na escola já dormindo no portão de entrada. A questão é que cada aluno é um ser humano que também tem dias bons e dias ruins. eles também passam por situações muito complicadas no dia a dia, até mesmo dentro de casa. Inevitavelmente, todo esse mix de complexidade dos seres humanos vai estar no espaço escolar. Por isso, não posso esperar que eles tenham um desenvolvimento ideal que só existe na minha cabeça. Cada aluno vai ter o seu próprio tempo e isso significa que eu, como professor, não vou estar falhando se na semana seguinte metade dos alunos não se lembram da aula anterior (e eles não vão). Se eu manter as expectativas lá em cima eu certamente vou ser um professor frustrado a cada palavra que eu dirigir aos alunos e, aí sim, com certeza a minha aula será horrível...
Outro aprendizado importante que tive foi em relação ao planejamento de aulas. Uma coisa é importante, sem dúvidas: tenho que sempre me preparar para uma aula, dominar, pesquisar e estudar o conteúdo e o plano que será trabalhado, porque quando planejo e decoro toda a aula na minha cabeça, nada vai abalar a minha confiança interna do que vai ser trabalhado naquele dia. Eu, como professor, tenho que planejar uma aula muito bem planejada para os alunos, mas, principalmente, para mim mesmo, para evitar um congelamento na frente da turma ou evitar momentos de constrangimento quando um aluno faz uma pergunta sobre a organização da aula e eu não consigo responder, pois não cheguei sequer a pensar na possibilidade de aquilo acontecer.
Também aprendi que haverá dias que o meu planejamento vai funcionar muito bem e darei uma aula maravilhosa, mas haverá dias que o planejamento poderá desandar totalmente – e está tudo bem! Nem sempre, quando a aula não ocorre conforme o esperado, a culpa é do professor; tanta coisa pode acontecer (alunos ansiosos com a saída de campo que eles vão fazer, ou ansiosos com o último dia de aula antes das férias, ou até mesmo um ciclone pode estar passando pela cidade naquela aula – isso realmente aconteceu) que não podemos prever qual será o humor da turma (e também meu humor) em cada dia.
Nesse momento, entra um outro aprendizado. Houve aulas que eu planejei perfeitamente do começo ao fim, mas naquele dia específico a aula não estava fluindo. Nesses momentos sentia que se eu continuasse com meu planejamento seria uma aula totalmente perdida. Às vezes, foi simplesmente necessário que eu abandonasse totalmente o meu planejamento e fizesse uma coisa completamente diferente para que os alunos pudessem acompanhar a aula. O aluno tirar algum proveito da aula tem que ser a minha prioridade ao invés de garantir que o que eu planejei seja cumprido naquele momento. O aluno é o foco, por mais que eu tenha que jogar no lixo o planejamento de aula daquele dia. A aula será muito melhor se atendermos ao nosso sentimento de que precisamos mudar as coisas dadas as circunstâncias.
Outro aprendizado que levo no coração, e que ainda estou aprendendo, é de que eu, como professor, preciso dar melhores instruções. O número de vezes que me peguei dando explicações que nem eu mesmo conseguia entender foi assustador. Diversas vezes que a aula não fluiu foi porque os alunos não tinham entendido o que eles tinham que fazer. Por isso, escrever instruções no quadro, falar com mais clareza, passar uma instrução de cada vez e pedir para os alunos (aqueles que realmente estão prestando atenção) explicarem as instruções que eu havia acabado de dizer são abordagens que vou levar comigo durante meus futuros anos na docência.
Por fim, uma das aprendizagens mais importantes que tive é a de que precisamos nos divertir, e essa diversão pode estar em diversos lugares, seja se divertir em elaborar atividades, seja se divertir em enfrentar desafios nas aulas, seja se divertir com os alunos... não importa onde, mas eu, como professor, preciso me divertir, porque se tem uma coisa que aprendi muito bem como aluno é que quando um professor dá uma aula só por obrigação ele sem dúvidas estará dando aulas horríveis e, definitivamente, todos os alunos terão pavor daqueles momentos.
Por meio deste texto, quis trazer um pouco das aprendizagens que tive durante minha primeira experiência como professor em uma escola de educação básicas, compartilhando que uma aula perfeita nem sempre é aquela que ocorre de maneira perfeita, mas sim aquela sabemos adaptar ao contexto e necessidades do momento. Também gostaria de relatar como é uma experiência muito diferente e incrível retornar à escola. Passamos anos de nossas vidas em um colégio e é impossível imaginar que um dia eu olharia para um mesmo local com uma visão totalmente diferente da que tive toda a minha vida.
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